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Lockdown dentro dos condomínios: quais os limites?
Medidas mais duras geram polêmica em condomínios. Síndico é representante da coletividade, mas tem responsabilidades em cenário crítico que exige atitude e colaboração de todos
O Brasil vive os piores dias desde o início da pandemia de coronavírus. Em coerência ao agravamento da situação sanitária e às determinações governamentais, medidas restritivas adentraram os condomínios, suas áreas comuns, de lazer e até as privativas.
O intuito é contribuir para conter o avanço do contágio por covid-19 e impedir que o próprio empreendimento vire foco da doença. Em diversas regiões, decretos incluíram restrições ou regras específicas aos condomínios, como visto recentemente em Santos, Cuiabá, Ribeirão Preto, Campinas, Jundiaí, Bertioga, Curitiba, Espírito Santo entre outras.
Afinal, quais são os limites? Na ausência de leis ou decretos, o síndico pode decidir sozinho pelos fechamentos de áreas? Onde fica o direito de propriedade do condômino? E as responsabilidades do síndico? Como conciliar saúde física e saúde mental?
Especialistas entrevistados pelo SíndicoNet respondem essas e outras perguntas, compartilhando experiência e orientações para síndicos e moradores nesta fase que requer muitos cuidados e paciência.
Quais os limites para a adoção de medidas restritivas em condomínios?
O estado pandêmico é inusitado, indefinido e, por ora, sem previsão de término. Novas medidas e ações são tomadas conforme os dados e orientações de autoridades sanitárias e governamentais – inclusive nos condomínios.
“Esta pandemia é marcada por altos e baixos. A segunda onda voltou com tudo e tivemos que correr pra estancar essa situação de desespero. O atual momento é de maior restrição para que o condomínio não se torne um foco de contaminação. A situação exige que o síndico se mova, tome a frente, dê sugestões, colha dados e tome decisão com base na democracia”, ressalta o advogado João Paulo Rossi Paschoal.
Porte, volume de áreas comuns, destinação e perfil de moradores são características que tornam cada condomínio único – elementos que dificultam a atuação.
“No geral, síndicos tiveram que adequar para suas realidades protocolos sanitários genéricos fornecidos por grandes entidades do setor. Não tem nada que sirva como uma luva para cada condomínio, cada um é um“, pontua o advogado.
Além das peculiaridades do empreendimento e da massa de moradores, deve-se considerar o momento da pandemia.
“Espera-se que em breve os números baixem. Voltando para uma situação mais segura e confortável, a tendência de abertura das áreas é maior. As medidas restritivas são transitórias. O condomínio deve seguir a mesma linha das decisões governamentais”, explica Paschoal.
Leis e decretos com determinações diretas aos condomínios empoderam síndicos
Para as regiões em que há leis e decretos com determinações específicas para condomínios, fica mais fácil a implementação de medidas tidas como impopulares.
“Foi ótimo para síndico, porque empodera o gestor na hora do fechamento das áreas. Das cidades em que atuo, as melhores posições foram das prefeituras de Jundiaí, Santos e Bertioga”, comenta Aldo Busuletti, diretor operacional da Busuletti Síndicos & Associados.
Nas três cidades, os decretos determinaram o fechamento e isolamento de áreas de uso comum.
A população dos condomínios que ele administra soma cerca de 10 mil moradores e 160 funcionários diretos, fora os terceirizados. Segundo Busuletti, o crescimento no número de mortes por covid-19 nos empreendimentos está alarmante este ano.
“De janeiro para abril, registramos cerca de 20 falecimentos entre moradores, funcionários e familiares. Em 2020, foram 3 falecimentos”, diz. O número de infectados entre os funcionários já bateu os 60.
Moradores de condomínio: abusos, aglomeração e ‘festinhas’ na unidade
Se por um lado há moradores que reclamam do síndico ditador – que, como visto, não pode fazer o que lhe der na telha -, por outro, há síndicos sofrendo com moradores que simplesmente abusam do bom senso, da razoabilidade e do comportamento óbvio que o momento pandêmico exige.
Aldo Busuletti conta que nos condomínios onde as regras são descumpridas, não tem muita conversa, não. Até porque pode sobrar para ele, o síndico, a responsabilidade do B.O. causado pela coletividade que ele representa.
“O maior problema nos condomínios é ‘segurar’ a situação. Já ameaçaram me tirar do cargo, achando ‘um absurdo’ o fechamento das áreas quando mantê-las abertas era insustentável, um risco de haver um surto de covid-19″, dispara.
A lista de Busuletti de situações que colocam condomínios em risco justifica plenamente o fechamento:
- Ele já testemunhou morador que reportou oficialmente estar com covid-19 “zanzando” pelas áreas comuns, enquanto deveria estar cumprindo quarentena dentro da unidade.
- Pessoas circulando sem uso de máscara
- Festinhas dentro das unidades, com mais de dez pessoas
- Academia sendo usado com presença de personal trainer
- Aglomeração na piscina, com pessoas bebendo cerveja
“Posso até não ser bem visto, mas, nesse momento, tenho que fazer o meu papel. Se quiserem me destituir, tudo bem, mas eu fiz a minha parte, aquilo que o Código Civil determina”, arremata o síndico profissional.
Direito de propriedade x responsabilidade do síndico
Aldo Busuletti relata que adolescentes de um apartamento começaram a fazer ‘festinhas’ com amigos dia sim, dia não, recebendo até dez convidados por vez. Ele passou a receber reclamação dos vizinhos e foi taxativo: proibiu a entrada de visitantes na unidade.
“Primeiro conversei com os pais por videoconferência, notifiquei, adverti e, por fim, proibi a entrada de pessoas fora do contexto normal”, afirma.
Os pais condôminos alegaram que ele estaria ferindo o direito de propriedade – que tem limites.
“Isso vale desde que não ponha em risco a vida de outros condôminos. As áreas de circulação são de todos e esses convidados passam por esses espaços até chegar à unidade. Eu disse que iria levar a questão para o jurídico e os proprietários deram para trás”, relata o síndico profissional.
Roberto Piernikarz, diretor da administradora BBZ, também relata casos de festinhas. “Está incrível a quantidade de unidades recebendo número grande de visitantes. Em situações assim, tem que pedir apoio para polícia“, orienta. Afinal, aglomerações estão proibidas por decreto.
Em situações como estas, o condômino promotor da ‘festinha’ faz o tal “uso nocivo da unidade”, conforme diz o artigo 1.336 – IV do Código Civil: é dever do condômino não utilizar seu imóvel de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança (famoso “3S”) dos possuidores (ou seja, vizinhos). Quando se chega nesses limites, é preciso começar a restringir.
Para aqueles que citam o direito de propriedade como argumento para usar áreas comuns que foram fechadas por desrespeito às regras internas e até mesmo por determinação de decretos locais, importante lembrar que o síndico pode ser responsabilizado civil e criminalmente por ser o representante do condomínio.
No decreto municipal nº 3650/21, de Bertioga, o artigo 16 é bem claro:
Os condomínios residenciais deverão respeitar as regras e protocolos previstos na legislação em vigor, observando-se em especial que mantenham as áreas de uso comum (como espaços de lazer, parques infantis, piscinas e quadras) fechadas e isoladas dos moradores e frequentadores, sem formação de aglomerações em nenhuma hipótese, sob pena de sanções aplicáveis.
Segue a mesma linha o decreto municipal nº 29.853/2021, de Jundiaí, no parágrafo 2° do artigo 11-A:
Os proprietários e RESPONSÁVEIS pelos estabelecimentos, chácaras, sítios, campings, clubes, ÁREAS DE LAZER DE CONDOMÍNIOS e outros locais em que venham a ocorrer eventos e AGLOMERAÇÕES serão encaminhados à autoridade policial para responsabilização, sem prejuízo de outras medidas judiciais e administrativas cabíveis.
E por último, devemos lembrar que a vida em condomínio é comunitária. “O coletivo tem que preponderar sobre o individual, esse é o eixo principal”, afirma o advogado João Paulo Rossi Paschoal.
Síndico exagerou? Confira 4 passos para confrontá-lo
Um síndico está exagerando quando tira o direito de liberdade de ir e vir, como bloqueio de elevador, proibição de circulação para retirar encomenda, impedir que o morador fique no hall social, ilustra Roberto Piernikarz.
Se depois de ter lido toda essa matéria você constatou que o seu síndico está, de fato, agindo com exageros e sem consultar a massa condominial para adotar medidas restritiva, confira 4 passos para confrontá-lo de maneira adequada:
- Não faça motins, protestos internos, gritaria etc.
- Comece dialogando com o síndico, solicitando informações transparentes, em quê ele está se baseando para tomar determinadas medidas, se foi vontade exclusiva do síndico ou teve participação do corpo diretivo ou do condomínio. É dever do síndico prestar informações. “Isso deve ser documentado. Não sabemos se vai virar um processo, se vai haver agravamento”, orienta o advogado João Paulo Rossi Paschoal.
- Não evoluiu? Solicite uma reunião com conselho e peça explicações
- Também não deu certo? Recorra ao artigo 1.355 do Código Civil e convoque uma assembleia extraordinária com um quarto (1/4) dos condôminos. A assembleia é soberana para discutir e deliberar sobre o tema.
Fonte: Sidinconet